Antes, um resumo
É preciso voltar um pouco no tempo para entender o cenário que fez com que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) criasse o tabelamento mínimo de frete para caminhoneiros autônomos.
De 2003 até meados de 2012, o Brasil passou por um crescimento econômico muito forte (nosso PIB chegou a crescer mais de 7%, em 2010!). Com os bons ventos, a demanda por transporte aumentou consideravelmente. Então, o governo decidiu estimular a compra de caminhões, por meio de uma série de programas de incentivo.
Um exemplo é o do Programa de Sustentação do Investimento, criado em 2009. Tratava-se de uma linha do BNDES para financiar bens de capital (instalações, equipamentos e serviços necessários para a produção de serviços ou bens), incluindo caminhões. Oferecia prazos de pagamento de até 8 anos, com juros abaixo da inflação.
Normalmente, quando um governo oferece subsídios para a compra de caminhões, ele também ataca em outra frente: a de retirar os veículos mais antigos das ruas. Mas isso não aconteceu por aqui. Ainda hoje temos automóveis com mais de 30 anos rodando pelas estradas. O resultado foi que o mercado ficou bastante inchado, cheio de caminhões.
Para dar uma ideia, em 2015, a frota nacional tinha cerca de 350 mil veículos a mais do que o necessário para suprir a demanda, segundo dados apresentados durante o Fórum Permanente para o Transporte Rodoviário de Cargas, em Brasília. O endividamento do setor beirava os R$ 4 bilhões.
E se tem uma coisa que a gente sabe sobre oferta e demanda é que sempre que a oferta é maior do que a demanda, o preço cai. E foi isso o que aconteceu com o frete. Muitas transportadoras não conseguiram suportar a queda no valor de seus serviços e acabaram fechando. Apenas de 2015 para 2016, o número de empresas de transporte rodoviário de carga foi de 156 mil para 111 mil, uma redução de 29%, de acordo com a Confederação Nacional do Transporte.
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Já os autônomos passavam por situações extremas. Como não havia uma definição da média de preços, eles não sabiam exatamente o quanto seus serviços valiam e acabavam cobrando menos do que o necessário para arcar com seus custos e terem um salário no final do mês. Então, veio uma pressão (como paralisações e ameaças de paralisações) por parte da categoria, pedindo melhores condições. E quando você fala em parar caminhões num país em que 75% do transporte é feito por malha rodoviária, você tem um baita problema nas mãos.
Foram alguns movimentos espaçados, até chegar à greve de maio do ano passado. Impulsionados por um aumento de 18% no preço do diesel, os protestos trouxeram perdas superiores a R$ 9 bilhões à economia do país e às empresas, apenas durante os primeiros cinco dias.
Para conter os danos, a ANTT teve de colocar para rodar uma política de frete mínimo em questão de dias – além de implementar outras medidas, como a redução do preço do diesel. A primeira versão da tabela duplicou o valor do frete e, obviamente, causou algum furor no mercado. A última edição do documento traz reajustes que vão de 1,6% a 6,2%, dependendo da distância percorrida e o do tipo de carga.
Em novembro, uma porção de entidades, indo desde a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) até a Associação Nacional dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) enviaram uma carta ao presidente Jair Bolsonaro se posicionando contra o tabelamento de frete.
Segundo a ANTT, quem não seguir a regra vai ter de pagar multa. Para as empresas que contratarem transporte autônomo pagando abaixo do piso, o valor da punição será entre R$ 550 e R$ 10.500, enquanto o transportador terá de desembolsar R$ 550. Já a multa para quem anunciar ofertas para a contratação desse serviço abaixo do mínimo estabelecido será de R$ 4.975.
Enfim, a tabela
Para criar uma tabela de preço mínimo é preciso avaliar os custos fixos e variáveis dos caminhoneiros e calcular quanto o autônomo gasta por quilômetro. A ANTT fez isso, mas criou uma curva no gráfico de remuneração que, para muitos especialistas, não conversa com a lógica de custo do transporte por caminhão do Brasil. Ficou assim:
Basicamente, quanto mais o caminhão roda, menos ele recebe por quilômetro até o ponto em que o valor se torna fixo.
Para efeitos de comparação, criamos um gráfico ilustrativo que ajuda a mostrar a diferença nos preços do mercado sem o tabelamento.
A linha “mercado” (em azul) retrata uma média dos preços cobrados pelo transporte autônomo antes do tabelamento.
O que conseguimos notar é que os preços estipulados pela ANTT começam abaixo do que era praticado pelo mercado. É por volta do quilômetro 150 que os valores se alinham e os preços da Agência se tornam mais altos do que os que tínhamos até então. De um jeito simples, pela tabela, o transporte de curta distância se torna mais barato, enquanto o de longa distância fica mais caro.
Há outra questão importante. É que o preço mínimo e seus valores subsequentes mudam, conforme o tipo de carga. Para quem transporta carga a granel (como soja), o frete do quilômetro 1 até o quilômetro 100 sai por R$ 2,05 por quilômetro rodado e vai diminuindo a partir daí. Já para quem transporta carga perigosa (como combustível), os primeiros 100 quilômetros ficam em R$ 1,64 por quilômetro rodado.
Alguns especialistas apontam que essa diferença parece esquisita. É que caminhões que transportam carga perigosa precisam cumprir uma série de requisitos e passar por várias manutenções que os seus pares de carga a granel não precisam. Ou seja, apesar de terem um custo maior, teriam uma receita menor pelos serviços prestados .
O que está valendo?
A tabela mínima de frete foi publicada no Diário Oficial da União em setembro do ano passado. Mas sua implementação ainda está bastante incerta. Este mês, a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) conseguiu uma liminar na Justiça que isenta suas 150 empresas associadas de multa por não cumprimento da tabela. Por quê? Bem, a constitucionalidade da nova política de preço mínimo está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal.
Essa decisão do STF, aliás, vem sendo adiada há algum tempo. A primeira audiência pública para discutir a política de preços mínimos foi em agosto do ano passado. O veredito acabou sendo deixado para depois das eleições, mas ainda não há pista de como o assunto deve se desenrolar no novo governo.
Efeito dominó
A saber, não é novidade nenhuma o governo regular o setor de transportes. As ferrovias, por exemplo, trabalham com um teto: não podem cobrar mais do que uma quantia determinada previamente. Mas muita gente questiona a maneira como a implementação da tabela para os autônomos se desenrolou.
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Um dos grupos mais afetados pela mudança no longo prazo seriam as empresas que contratam caminhões para trajetos de longa distância, como a indústria do agronegócio: o preço ficou muito mais alto. Para mostrar o impacto, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) fez um cálculo do “antes e depois”. Segundo o órgão, o frete do transporte de milho e soja saía por R$ 11 mil, em média, antes da tabela. Esse valor representava 47,9% do produto. Depois do estabelecimento do piso, o serviço passou a custar R$ 16 mil – 72,3% do valor do produto transportado.
O que esperar
Uma possível consequência é a de algumas transportadoras que contratam autônomos não aderirem à tabela e irem para a informalidade. Então, no final do dia, o motorista corre o risco de continuar lutando para sobreviver. Talvez seja por isso que o número de fretes oferecidos por dia em plataformas, como FreteBras tenha caído algumas dezenas de milhares. Ninguém vai anunciar por aí que não irá cumprir o tabelamento.
Outro efeito pode ser as empresas começarem a considerar internalizar suas frotas. Veja bem, como a tabela só é destinada aos autônomos, pode fazer sentido (e até ser mais barato em alguns casos), comprar caminhão e contratar motorista. Nesse caso, será necessário cuidar, porque é provável que os caminhões extras só atendam temporadas de pico, ficando ociosos no resto do ano. E, querendo ou não, quase sempre é o consumidor que paga a conta, porque isso impacta no custo do produto ou do serviço oferecido.
Em outras palavras: gera menos competitividade.
Há também quem acredite que, caso a tabela passe a valer de vez, as transportadoras que não contratam autônomos também aumentem o preço de seus serviços.
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O que fazer
Especialistas do mercado consultados por nós acreditam que essa é a hora de as empresas que contratam serviço de transporte trabalharem a sua performance e tentarem ganhar em eficiência, por exemplo, diminuindo o tempo que o caminhão aguarda na porta de fábrica para pegar mercadoria. Todo ganho de eficiência vai gerar dinheiro de algum jeito, o que pode compensar os novos custos.
Segundo esses especialistas, o ideal é esperar a poeira baixar, entender quais serão os próximos passos na legislação, para então, as empresas poderem tomar decisões mais robustas, como comprar caminhões ou entrar em renegociações com seus principais fornecedores de transporte.
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